O gerente de farmácia Willian da Silva, de 28 anos, tenta reunir forças para reerguer família destroçada pela morte da caçula Heloísa dos Santos Silva, de 3, ocorrida a manhã de sábado, depois de nove dias de internação no Hospital Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
Ele acha, inclusive, que vai precisar recorrer à ajuda de psicólogos. O pai, ainda abalado, não sabe quando vai conseguir retomar a vida normal. Mas tem uma certeza: não vai deixar passar impune a perda da filha, que completaria 4 anos daqui a menos de um mês e meio, no dia 31 de outubro.
— Está sendo muito doloroso. Mas vou buscar justiça por ela. Era uma criança sensacional que perdi por causa do despreparo de um policial rodoviário federal. Nada vai trazer minha filha de volta, mas o que eu puder fazer para que tenha justiça eu farei até o fim da minha vida. Prometi isso a ela — disse ele, que ainda analisa com os advogados as medidas judiciais que pretende tomar.
O sepultamento da menina foi no domingo. Heloísa foi baleada no último dia 7 de setembro, quando um agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF) efetuou um disparo em direção ao carro em que ela estava, no Arco Metropolitano, na altura de Seropédica. O Ministério Público Federal (MPF) pediu a prisão dos três agentes envolvidos na ação, que foi negada nesta segunda-feira, pelo juízo da 1ª Vara Federal Criminal. A decisão deixou Willian indignado:
— Nada vai trazer a vida da minha filha de volta. Mas quem matou ela tem de pagar. Tem de haver a responsabilização dos policiais que numa atitude covarde tiraram a minha filha de mim e da sua família. A prisão deles é o mínimo que se espera — cobrou o pai da criança.
Alana, também de 28, mãe de Heloísa, está arrasada. Não come nem quer conversar com ninguém. O mesmo ocorre com a tia das crianças, Rayra Fernanda dos Santos Misael, que também presenciou a cena. Pai, mãe, tia e as duas crianças voltavam de um dia feliz em família, em Itaguaí, onde passaram o feriado de sete de setembro, e se dirigiam para Petrópolis, onde a família reside.
Willian contou que tentou enquanto pôde manter a filha mais velha afastada do noticiário, embora ela tenha presenciado toda a cena. A menina foi mandada, com a avó materna, para um retiro. Ela só soube da morte da irmã no domingo pela manhã, horas antes do sepultamento, ao qual compareceu, mas acompanhou de longe e não viu a irmã no caixão.
— Disse a que Papai do Céu chamou a irmãzinha e perguntou se ela queria virar uma estrelinha – afirmou o pai das meninas.
Ele descreve o que aconteceu à filha como um “filme de terror” do qual não consegue sair. E diz que lembra do ocorrido o tempo todo. Afirma que tudo que mais queria era ter o poder de rebobinar (como se fazia com as antigas fitas cassetes) a sua vida até antes da tragédia, para poder proteger a filha. Segundo Willian, o disparo que feriu e matou a menina atingiu toda a família. A filha mais velha ficou tão abalada que não pode ver carro de polícia que sente medo e pede para o pai tomar cuidado com policiais
Heloísa é, nas palavras do pai, uma criança que “preenchia a casa”. Ele descreveu a filha como uma menina alegre, que gostava de brincar, de dançar e cumprimentava todo mundo que encontrava no caminho. Seu passatempo favorito era um joguinho de celular chamado Roblox. A família também saía muito junta para tomar sorvete e brincar numa pracinha perto de casa, no Centro de Petrópolis.
Um dos últimos programas familiares foi uma ida ao cinema assistir ao filme da Barbie da diretora Greta Gerwig. Na ocasião todos se vestiram de rosa, inclusive o pai, que só se recusou a colocar o cachecol na mesma cor, por sugestão da filha mais velha. São esses momentos felizes ao lado da filha, que o pai pretende guardar na memória. Ele disse não ver explicação para o que aconteceu com a caçula.
— Não tem como explicar a perda da minha filha. Só sei sentir e dói muito. Como a gente é evangélico o jeito é se apegar com Deus e acreditar que ela está num lugar melhor. Era uma criança sensacional que perdi por causa do despreparo de um policial rodoviário federal.
Ele reafirmou que não recebeu ordem de parada e decidiu parar ao ouvir os disparos dos agentes (ao menos três) para mostrar que havia uma família dentro do carro. Todos desceram, menos a mais nova, que já havia sido atingida. A garota foi levada para o hospital numa viatura da PRF. Dois policiais foram juntos. Ele seguiu atrás no seu carro, acompanhado de um terceiro policial. Ele disse que comprou o Peugeot usado pela família há cerca de dois meses e não sabia que o veículo era roubado. Mesmo assim, acredita que a situação do automóvel não justifica a atitude dos policiais.
Embora a tia da criança tenha relatado que havia 28 policiais na unidade médica, naquele dia, e um deles tenha tentado intimidá-la, Willian disse que só se sentiu intimidado quando a PRF insistiu para tomar seu depoimento, enquanto a filha estava na mesa de cirurgia.
— Quando minha mulher tentou argumentar e disseram pra ela que se a menina tivesse de morrer eu não poderia fazer nada. Nesse momento me senti coagido — revelou.
Willian contou que ele e a mulher, que estão juntos há 11 anos, decidiram aumentar a família quando a filha mais velha completou quatro anos e começou a cobrar um irmão ou uma irmã. Ele disse que gostou de ter vindo uma menina porque só assim as duas poderiam brincar juntas e uma fazer companhia a outra.
Tanto Willian como Alana trabalham numa empresa de saúde da família dela. Ela é gerente administrativa da clínica médica, que funciona no centro da cidade, e ele gerencia a farmácia, que pertence ao mesmo grupo, que tem ainda um plano de saúde, que dá direito a atendimento nas clínicas e compra de medicamentos na farmácia, podendo pagar junto da mensalidade.
Willian contou ainda que antes do ocorrido com sua filha admirava a PRF e chegou cogitar fazer concurso para a corporação. Em pouco tempo passou da admiração à decepção.
— É inacreditável o que esses caras fizeram. É muito difícil o concurso. É toda uma seleção para entrar para a PRF e você se depara com uma situação dessa — disse, o rapaz que chegou a começar a se preparar, mas não fez o concurso.