Cerca de 619 milhões de pessoas tiveram dor nas costas em 2020Por: André Biernath
A dor nas costas, mais especificamente a dor na região lombar, é um daqueles problemas de saúde que chamam a atenção pela quantidade de gente afetada — se você nunca teve esse incômodo, é bastante provável que vá experimentar algum dia —, bem como pelo impacto significativo e silencioso que tem no dia a dia.
Para ter ideia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta a dor lombar como a principal causa de incapacidade do planeta — em outras palavras, trata-se de algo que afeta a vida de muitos e limita a capacidade de realizar atividades rotineiras de trabalho e lazer.
Em 2020, aproximadamente 1 a cada 13 pessoas (ou 619 milhões de indivíduos) tiveram pelo menos um episódio desse problema. Isso representa um aumento de 60% em relação a 1990.
E esses números devem continuar em ascensão pelas próximas décadas: a OMS calcula que a condição afetará 843 milhões em 2050.
Segundo as projeções, o maior crescimento ocorrerá na África e na Ásia, os continentes onde a população mais aumenta e também há uma subida na expectativa de vida.
A entidade pontua que esse problema de saúde traz impactos e custos para a pessoa e para toda a sociedade — e, em razão disso, lançou em dezembro de 2023 a primeira diretriz para orientar o tratamento da dor lombar crônica (quando o incômodo se prolonga por mais de três meses seguidos).
O documento é assinado por diversos especialistas de várias partes do mundo, que avaliaram as evidências científicas disponíveis para determinar o que realmente funciona — e o que é contraindicado — na hora de lidar com esse problema.
Entre as práticas recomendadas pelos especialistas, há um mix entre cuidados mais gerais e perenes, como programas de educação, sessões com psicólogo e prática de exercícios, até terapias pontuais para trazer alívio imediato, como remédios anti-inflamatórios simples e massagens.
Confira a lista completa a seguir.
Dor nas costas: o que funciona
Segundo a diretriz da OMS, os tratamentos contra a dor lombar que possuem algum grau de evidência positiva — em que os benefícios superam os riscos — são:
- Educação/aconselhamento estruturado e padronizado;
- Programa estruturado de exercícios físicos;
- Acupuntura e outros métodos de agulhamento terapêutico;
- Terapia manipulativa espinhal (um tipo de massagem);
- Massagem;
- Terapia comportamental operante (um tipo de psicoterapia);
- Terapia cognitivo comportamental (um tipo de psicoterapia);
- Anti-inflamatórios simples (como ibuprofeno e diclofenaco);
- Preparações tópicas (aplicadas na pele) à base de pimenta-caiena – Capsicum frutescens;
- Cuidados biopsicossociais amplos.
Dor nas costas: o que não funciona
A diretriz da OMS também cita aqueles tratamentos que os pesquisadores consultados deram um parecer desfavorável — ou seja, não estão indicados para a dor lombar de uma maneira geral, pois os riscos superam os benefícios:
- Tração (equipamentos e técnicas que prometem aliviar a pressão e a dor na coluna);
- Ultrassom terapêutico;
- Estimulação elétrica transcutânea (Tens);
- Cintos e suportes lombares;
- Remédios da classe dos opioides;
- Antidepressivos da classe dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina;
- Antidepressivos tricíclicos;
- Remédios da classe dos anticonvulsivantes;
- Remédios da classe dos relaxantes musculares esqueléticos;
- Remédios da classe dos corticoides;
- Anestésicos injetáveis;
- Garra-do-diabo – Harpagophytum procumbens (um fitoterápico);
- Salgueiro – Salix spp. (um fitoterápico);
- Perda de peso promovida especificamente por remédios contra a obesidade.
Dor nas costas: tratamentos sem estudos conclusivos
A lista da OMS ainda destaca aquelas terapias sobre as quais não há evidências científicas suficientes para ter certeza se funcionam ou não.
Segundo os autores do documento, é necessário aguardar novas pesquisas para conhecer melhor essas opções antes de incluí-las (ou não) no rol de tratamentos. A lista das incertezas inclui:
- Terapia comportamental respondente (um tipo de psicoterapia);
- Terapia cognitiva (um tipo de psicoterapia);
- Mindfulness e práticas para redução do estresse;
- Paracetamol;
- Remédios da classe dos benzodiazepínicos;
- Preparações à base de Cannabis;
- Preparações tópicas à base de arnica – Solidago chilensis;
- Gengibre – Zingiber officinale (um fitoterápico);
- Preparações tópicas à base de lírio branco – Lilium candidum;
- Compressas tópicas com diferentes ervas e fitoterápicos;
- Manejo do peso corporal por meio de intervenções não farmacológicas.
Na diretriz, apenas um recurso terapêutico foi considerado uma boa prática, apesar da falta de estudos específicos sobre o tema: usar dispositivos que ajudam na mobilidade da pessoa com dor nas costas.
Nos momentos de crise, pode ser necessário utilizar dispositivos que facilitam a locomoção e evitam acidentes, como barras de suporte, bengalas ou muletas, por exemplo.
Vale ainda destacar que o documento foi elaborado a partir de quatro princípios fundamentais: um tratamento centrado no paciente; a equidade no acesso; o cuidado não-estigmatizante e não-discriminatório; e a atenção de saúde coordenada e integrada.
Tudo começa com um bom diagnóstico
O médico Marco Antônio Araújo da Rocha Loures, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia, destaca que a dor nas costas pode ter as mais variadas origens.
“Na maioria das vezes, ela está relacionada a questões posturais, a posição adotada durante as horas de trabalho e até mesmo a fatores psicológicos”, observa o reumatologista.
“Mas pode ser que essa dor nas costas seja sinal de um câncer ou de uma metástase”, complementa ele.
A metástase mencionada pelo médico significa o espalhamento das células cancerosas de sua origem para outras partes do corpo. Não raro, os ossos — especialmente as vértebras da coluna — são o local secundário onde essas unidades doentes vão parar e proliferar.
Para fazer o diagnóstico adequado, é importante procurar um médico se a dor não vai embora depois de alguns dias.
O ortopedista e cirurgião de coluna Luciano Miller, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, explica que a avaliação inicial acontece no próprio consultório — e exames de imagem mais elaborados (como tomografias e ressonâncias) só são necessários para confirmar suspeitas diagnósticas ou encontrar respostas para casos complexos.
“E nós temos também alguns sinais de alerta, que indicam se o quadro pode ser mais grave, como perda de peso associada à dor lombar, fraqueza ou formigamento em uma ou nas duas pernas, dor que não melhora depois de um, dois ou três meses, pacientes com histórico de câncer ou quando o incômodo afeta crianças e idosos”, lista ele.
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil também ressaltam que, embora a diretriz lançada pela OMS sirva de guia e ajude a padronizar os tratamentos para a dor lombar crônica primária (em que o incômodo não é causado por alguma outra doença específica), cada paciente deve ser cuidado de acordo com as suas particularidades.
Quando a dor nas costas de um indivíduo está relacionada a fatores emocionais, por exemplo, pode ser necessário passar por uma avaliação psiquiátrica e, eventualmente, até usar certos remédios antidepressivos (embora eles não estejam indicados diretamente para o alívio dos incômodos lombares, segundo a OMS).
Por fim, os médicos ressaltam que não existe uma bala de prata capaz de desatar de vez todos os nós que apertam as costas — os remédios podem até trazer um alívio momentâneo, mas são as mudanças no dia a dia em prol da saúde que garantirão que a dor não volte depois de um tempo.
“O estilo de vida inadequado, que envolve o sedentarismo, o estresse e até o tabagismo, é o fator que mais faz as pessoas procurarem o médico com queixas de dor lombar”, constata Miller.
“E não podemos apenas tratar aquela questão pontual. É preciso pensar na prevenção, o que envolve cuidados com a postura e a ergonomia, ter uma alimentação saudável, adotar uma rotina de exercícios físicos com alongamento e fortalecimento da musculatura e prezar pela saúde mental”, conclui Rocha Loures.