Deputado do Psol reflete sobre derrota em São Paulo, desafios da esquerda e aponta Lula como única liderança capaz de conter o avanço do bolsonarismo
Guilherme Boulos e Lula (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
Em entrevista ao Valor, o deputado federal Guilherme Boulos (Psol), derrotado no segundo turno das eleições para a Prefeitura de São Paulo, analisou o cenário político brasileiro e destacou a importância do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como peça fundamental para impedir o retorno da extrema-direita ao poder em 2026. “Quem achou que a vitória do presidente Lula há dois anos representaria o fim do bolsonarismo no país e que a extrema-direita não avançaria no mundo estava enganado”, declarou Boulos, enfatizando que o campo progressista precisa se reorganizar para enfrentar os novos desafios.
Boulos sofreu uma derrota expressiva para o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), que, apoiado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), venceu por quase 20 pontos percentuais. A campanha, marcada por ataques e disseminação de notícias falsas, foi considerada pelo parlamentar uma das mais agressivas que já enfrentou. “Com Covas foi uma campanha civilizada. Agora foi uma campanha muito baixa e suja, de ataque despropositado. Logicamente reconheci o resultado. Não é do meu lado que vocês vão ver questionamento de urna”, completou Boulos, em uma crítica direta às táticas empregadas por seus adversários.
As lições da derrota e os sinais para a esquerda
O deputado destacou que a derrota em São Paulo e a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos servem como alertas para a esquerda brasileira. “A esquerda precisa fazer a lição de casa e mudar o discurso para apresentar uma perspectiva de futuro se quiser manter-se no comando da Presidência em 2026 e barrar o avanço da direita no país”, pontuou. Segundo Boulos, a campanha sofreu com o atraso em estabelecer um diálogo mais efetivo com as “novas periferias” — eleitores pobres e de baixa escolaridade que, no passado, votaram em candidatos de esquerda, mas que atualmente se inclinam para opções mais conservadoras.
Essa lacuna foi explorada por rivais como o influenciador digital Pablo Marçal (PRTB), que ficou em terceiro lugar com 28% dos votos e desempenhou um papel decisivo na derrota de Boulos. “Ele foi o responsável por levar o sentimento [dos eleitores] mais à direita, por normalizar Nunes, e sua máquina de internet ajudou a aumentar muito a minha rejeição”, afirmou o parlamentar.
O papel de Lula e a ameaça de hegemonia da extrema-direita
Para Boulos, Lula é a figura central que pode evitar o retorno da extrema-direita. “O que nos salvou de uma reeleição do Bolsonaro em 2022 foi o Lula, com a força da sua liderança e capilaridade social. Em 2026, ele é o único que pode evitar o retorno da extrema-direita”, afirmou. O deputado destacou que, diferentemente dos EUA, que não têm uma liderança popular capaz de barrar Trump, o Brasil conta com Lula, cuja liderança é vital para manter a esquerda no poder e afastar o país do “fundamentalismo cultural” proposto pelo bolsonarismo.
Boulos também reforçou a necessidade de uma aliança ampla para enfrentar a extrema-direita, algo que Lula já demonstrou ser capaz de fazer em 2022. “A esquerda tem de dialogar com o centro e fazer a aliança mais ampla possível em 2026”, disse. Ele próprio tentou articular uma aliança em São Paulo, mas não obteve sucesso.
Enfrentando a anistia e a inelegibilidade de Bolsonaro
O deputado prometeu que, no Congresso Nacional, lutará contra as tentativas de anistiar bolsonaristas envolvidos nos atos de 8 de janeiro e de derrubar a inelegibilidade de Bolsonaro. “Seria o maior absurdo político da história recente se isso passasse. Anistiar os participantes do 8 de Janeiro é comprar a visão de que aquilo foi um piquenique de senhoras e não uma tentativa de golpe”, criticou. Para Boulos, normalizar Bolsonaro após tudo o que aconteceu seria um retrocesso inaceitável.
Reflexões sobre o futuro e a necessidade de renovação
Boulos defende que a esquerda precisa entrar na “disputa de valores” de forma mais incisiva, assim como a extrema-direita tem feito nos últimos anos. “O que a extrema-direita fez nos últimos anos, do ponto de vista de disputa social e cultural, é similar ao que a esquerda fez nos anos 1980 e 1990. A extrema-direita, no mundo todo, se dedicou a fazer uma disputa de horizonte, de visão de mundo, de valores. A esquerda acreditou que as melhorias sociais seriam suficientes e não entrou nessa disputa”, avaliou. Essa negligência, segundo ele, abriu espaço para que setores que antes apoiavam os governos do PT passassem a votar em representantes da extrema-direita.
Próximos passos
Apesar do revés eleitoral, Boulos mantém otimismo e disposição para continuar na luta política. “Tenho paciência histórica. Você não chega aos objetivos que quer na política construindo atalhos artificiais”, declarou. Sobre uma possível candidatura à prefeitura em 2028 ou ao governo de São Paulo, ele preferiu não dar detalhes, mas ressaltou que continuará buscando caminhos para fortalecer a esquerda.
Horas após a entrevista, Boulos reuniu seus apoiadores em São Paulo para reafirmar o compromisso de continuar mobilizando forças contra o bolsonarismo e motivar a militância, que se mostrou desanimada após a derrota.