A perda de olfato que atinge alguns pacientes de Covid-19 pode persistir por ao menos um ano após o diagnóstico, mostra um acompanhamento clínico feito ao longo de 12 meses com um grupo de pessoas diagnosticadas com anosmia (perda de olfato) ou hiposmia (redução ou comprometimento).
O artigo, já revisado por pares e publicado na rede aberta do Jama (Jornal da Associação Médica Americana), é de pesquisadores das universidades de Estrasburgo (França) e McGill (de Montreal, Canadá).
O grupo avaliado começou com 97 pacientes que tiveram perda aguda do olfato por mais de 7 dias. Após 12 meses, ao menos duas pessoas ainda não haviam recuperado a função olfativa normal em testes objetivos, e outros 14 relatavam recuperação apenas parcial em questionários subjetivos.
Acompanhar a evolução desses quadros é relevante, dizem os autores do estudo, porque os efeitos de longo prazo da doença prejudicam a qualidade de vida dos pacientes. A perda de olfato foi o efeito que apareceu com mais frequência (43%) em doentes com Covid-19, de acordo com meta-análise de 215 estudos feita pela University College de Londres.
“Pessoas com anosmia estabelecida sofrem por perderem o prazer ligado à alimentação, sentem-se mais vulneráveis por não conseguirem detectar alimentos estragados ou gases prejudicais. Também são mais ansiosas, inseguras quanto à higiene pessoal e tendem ao isolamento social”, disse o médico neurologista Luciano Magalhães Melo, colunista da Folha de S.Paulo.
No cômputo geral, os pesquisadores avaliam que o prognóstico para a perda de olfato provocada pelo coronavírus é “excelente”, já que 96,1% se recuperaram objetivamente em 12 meses. A porcentagem representa um ganho de 10% sobre os que haviam se recuperado após seis meses: 85,9% dos pacientes.
Um resultado intrigante do acompanhamento clínico pode ser observado num subgrupo de cerca de metade dos pacientes, que fez tanto exames subjetivos quanto objetivos, a cada quatro meses. Uma parcela significativa deles relatou que suas funções ainda estavam prejudicadas, embora os testes psicofísicos apontassem para resultados normais.
A avaliação subjetiva era feita a partir de um questionário sobre a percepção do paciente em relação à própria capacidade de sentir cheiros. Já a objetiva foi feita a partir de exames conhecidos como testes de olfato Burghardt, que usam canetas de feltro com odores padronizados.
Na pesquisa liderada pela Universidade de Estrasburgo, os pacientes fizeram testes de limiar de odor -no qual cheiravam as canetas por alguns segundos, para avaliar o grau de percepção- e de identificação do odor -no qual deviam escolher qual de quatro alternativas era a mais precisa para o cheiro de determinada caneta.
Dos 51 pacientes que fizeram os dois tipos de exame, após os primeiros quatro meses 28 relatavam ainda não ter se recuperado, embora o exame objetivo indicasse que apenas 8 ainda possuíam as funções afetadas do ponto de vista psicofísico.
Segundo a líder da pesquisa, Marion Renaud, do departamento de otorrinolaringologia dos Hospitais Universitários de Estrasburgo, essa diferença aparece porque há pacientes que percebem a intensidade dos odores, mas se queixam de distorção dos cheiros, um distúrbio qualitativo que se chama parosmia.
“Também podemos ter pacientes que recuperaram o olfato, mas a intensidade da percepção dos odores é menor do que antes”, diz ela. Segundo Marion, alguns podiam estar perto da pontuação máxima antes de pegar Covid-19 e, depois, embora ainda tenham resultados objetivos considerados normais, estão mais próximos do limite inferior.
Os 8 pacientes com resultados alterados no exame objetivo (15,7% dos 51 iniciais) foram testados mais uma vez oito meses após o diagnóstico: nesse período, 6 haviam se recuperado, de acordo com os testes objetivos.
Dois pacientes permaneceram hipósmicos (com olfato abaixo do normal para a idade e o gênero) durante todos os 12 meses -de acordo com o relatório, um manteve limiar olfatório anormal e outro apresentou parosmia, ou seja, erro ao identificar o cheiro.
No outro grupo, de 46 pacientes que foram submetidos apenas ao questionário de avaliação subjetiva, 7 (15%) consideravam ter se recuperado totalmente após quatro meses. Outros 6 diziam ter tido recuperação parcial e 33 (61,8%) não viam recuperação.
Ao final dos 12 meses, eram 14 os ex-contaminados com Covid-19 que relatavam recuperação apenas parcial, o equivalente a 30,4% do grupo.
Os cientistas afirmam que o resultado de seu trabalho apoia achados de pesquisa animal fundamental, que usaram exames de imagem e patologia pós-morte e sugerem que a perda de olfato se dá por inflamação do sistema nervoso periférico (nervos e gânglios).
Para os autores, uma limitação do estudo é que o grupo analisado era formado principalmente de mulheres (67, ou 69% do total) e pacientes mais jovens (idade média de 38,8 anos e maioria com menos de 50 anos), dois fatores que podem propiciar uma recuperação olfatória completa mais rápida.
Segundo Renaud, a única forma já comprovada para melhorar a recuperação do olfato é a reabilitação olfativa. A técnica consiste em fazer o paciente cheirar frascos não identificados com alguns odores diferentes, como limão, canela ou eucalipto, durante dez segundos, concentrando a mente para tentar senti-los.
Depois a pessoa pode verificar embaixo do frasco se o aroma corresponde ao que sentiu e repetir a rodada outras vezes durante o dia. Como na fisioterapia, esse tratamento procura refazer o circuito de informações entre o órgão e o cérebro. Com o tempo, o paciente começa a sentir o aroma com mais força e com o frasco a distâncias maiores.
Renaud diz que, na fase aguda da perda do olfato, foi sugerido que o uso de corticosteroide por via oral poderia melhorar a recuperação. “Mas o nível de evidência para o benefício do tratamento médico de longo prazo (corticosteroide ou spray nasal de vitamina A) é baixo”, afirma.